Artigo: A Pandemia e o Sistema Financeiro Nacional

É notório que neste momento enfrentamos uma crise sanitária sem precedentes na história recente mundial, por conta da pandemia global causada pelo novo coronavírus. Como se sabe, além das inestimáveis perdas causadas pela doença, tal situação também gera severos impactos econômicos, tendo em vista a repentina e abrupta queda no consumo, decorrente da necessidade do isolamento social, com as pessoas tendo de permanecer em suas casas e estabelecimentos comerciais precisando permanecer fechados.

Tanto é assim que segundo o último boletim Focus divulgado pelo Banco Central do Brasil, projeta-se uma retração do PIB em 5,12% para 2020.

Neste contexto, no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, diversas medidas estão sendo adotadas, no intuito de amenizar os impactos dos efeitos da pandemia.

No âmbito regulatório e de supervisão do sistema bancário, por exemplo, podemos citar que o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil vêm adotando uma série de medidas com o objetivo de que as instituições financeiras tenham disponíveis recursos suficientes para que possam conceder crédito e renegociar dívidas, neste momento crítico.

Exemplo disso é a redução da alíquota do compulsório* de 25% para 17%, o que disponibiliza mais liquidez para a economia, pois os bancos podem usar recursos que antes deixavam depositados no Banco Central (Circular 3.993). Outro exemplo é a recente Resolução 4.797 do Conselho Monetário Nacional que veda a distribuição de dividendos e juros sobre capital próprio para os acionistas dos bancos acima dos percentuais mínimos obrigatórios e veda distribuição de resultados e aumento de remuneração de seus administradores. Esses são exemplos, dentre uma série de outras medidas de liquidez e de desoneração do capital dos bancos, no sentido de que mais recursos possam chegar à economia real, no intuito de preservar a vida de empresas e pessoas que delas dependem.

No mesmo sentido, recentemente o COPOM (Comitê de Política Monetária), antevendo uma forte retração na economia, reduziu ainda mais a taxa Selic (a taxa básica de juros da economia), promovendo um novo corte, de modo que esta passou de 3,75% ao ano para 3% ao ano. Desse modo, bancos puderam repassar este corte para determinadas linhas de crédito, como empréstimo pessoal e para capital de giro, dentre outros. Ademais, este corte se destina também a estimular a recuperação da atividade econômica, quando puder ocorrer a reabertura da economia, como já vem ocorrendo gradualmente em alguns países na Europa.

Outra questão relevante, no final do mês de março a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) divulgou que 5 dos maiores bancos atuantes no país estavam dispostos a efetuar a prorrogação, por até 60 dias, de dívidas que estivessem em dia de pessoas físicas e micro e pequenas empresas. Outros bancos seguiram esta mesma linha autorizando a prorrogação de dívidas de seus clientes.

Importante ressaltar neste ponto que a prorrogação é negocial – não decorre de imposição legal - e evidentemente cada instituição bancária tem os seus próprios critérios para definir quais dívidas podem ser renegociadas ou prorrogadas e quais tipos de operações são abrangidas pela medida.

Assim, é importante notar que a prorrogação não abarca indiscriminadamente todo e qualquer tipo contrato ou empréstimo, dependendo da análise do caso concreto eventual prorrogação ou renegociação, junto a cada instituição financeira, permanecendo hígidos todos os demais princípios que regem as obrigações contratuais.

Neste sentido, recentemente o TJSP reformou decisão proferida em ação de busca e apreensão, que havia impedido o banco de realizar a busca e apreensão de um veículo de devedor inadimplente por conta da pandemia da COVID-19. Ao dar provimento ao recurso da instituição bancária, o Tribunal ponderou que o devedor estava inadimplente desde outubro de 2018, período bem anterior a pandemia, e que a concessão da medida era direito do credor, nos termos do Decreto-lei 911/69 (Autos nº 2065007-07.2020.8.26.0000).

Desse modo, no âmbito do direito contratual, vale destacar que permanecem hígidas as obrigações pactuadas, devendo-se sempre ponderar os princípios da boa-fé e função social do contrato, juntamente com a autonomia privada e força obrigatória dos contratos. Ou seja, bom senso e cautela devem sempre se fazer presentes em momentos de incertezas como o que estamos vivenciando.

Inclusive, dado o risco sistêmico que a COVID-19 representa, que afeta a demanda e oferta nos mais diversos setores econômicos, gerando quedas acentuadas de receitas de empresas diversas e, por consequência, maior desemprego e redução de renda, deve-se buscar tanto quanto possível a preservação dos negócios jurídicos, sempre pautado no bom senso e boa-fé, ao invés de se buscar indiscriminadamente o Poder Judiciário para afastar as obrigações contratuais, o que geraria, além de uma sobrecarga ainda maior de processos, um aumento do risco de colapso na economia.

Assim, espera-se que todas as instituições bancárias e de supervisão que integram o sistema financeiro nacional possam desempenhar o seu relevante papel em meio a esta crise que estamos enfrentando. As repercussões, neste momento, ainda não podem ser claramente mensuradas. Mas, gradualmente, superaremos os efeitos já causados e que ainda serão causados pela atual pandemia.

*Como se sabe, as instituições financeiras precisam obrigatoriamente deixar depositados junto ao Banco Central um percentual dos recursos financeiros que captam no mercado. Isto é, elas não podem emprestar a integralidade dos recursos que captam, o que funciona como instrumento de política monetária – controlando a quantidade de moeda em circulação – e funciona como espécie de “colchão de liquidez” para os bancos, para que consigam suportar eventuais momentos de crise.

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Guilherme Cunha Niemeyer