Pedido de reconhecimento de superendividamento

Entenda como a Audiência de Conciliação pode ser um meio de prevenção e tratamento

A importância da mediação e conciliação para resolução dos conflitos levados ao Poder Judiciário tem recebido cada vez mais repercussão legal, visto que o Código de Processo Civil deu grande relevância aos métodos de solução consensual de conflitos, ao determinar que devem ser estimulados pelos juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público. 

Como bem pontuou o professor e magistrado Dr. Roberto Portugal Bacellar, no artigo “A Ressureição da Conciliação no Contexto das Múltiplas Portas de Acesso à Justiça”, as soluções consensuais de conflito deixaram de ser um apêndice ao processo para se tornar uma forma efetiva de ofertar outros caminhos para a adequada solução de conflitos, para que as partes percebam o litígio mediante prismas diferenciados, fazendo-as tomar conhecimento de fatos da realidade que possam indicar o ganho ou a perda da causa e, de forma ética e transparente, demonstrar clareza nas expectativas, vez que com o advento do novo código processualista, o objetivo é preponderar a decisão das partes, e não de um juiz sentenciante.

Tais objetivos não nasceram unicamente por meio do novo Código de Processe Civil, mas sim de uma ampla reconstrução dos objetivos de uma política Judiciária Nacional de tratamento adequado aos conflitos e meios de resolução consensuais, o que se deu após a publicação da Resolução nº 125 de 29/11/2010, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. 

Na citada resolução, seu objetivo é zelar pela observância aos princípios da Administração Pública, em especial da eficiência, bem como da responsabilidade dada ao Poder Judiciário sobre a política pública de tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses, os quais, naquela época, já se observavam a sua crescente escalada.

É certo que, de lá para cá, a conciliação e a mediação se tornaram instrumentos efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios, e que a sua apropriada disciplina em programas já implementados no país tem reduzido a excessiva judicialização dos conflitos de interesses, a quantidade de recursos e de execução de sentenças. Citando Kazuo Watanabe, na expectativa da transformação da “cultura da sentença” para uma “cultura da pacificação”, é houve uma grande aceitação entre os operadores de direito, visto que esses são os atores essenciais para se levar justiça aos jurisdicionados, a fim de trazer uma solução justa para as partes litigantes.

A Lei 14.181, de 01º de julho de 2021, denominada de “Lei do Superendividamento” , não deixou de tratar da importante ferramenta de resolução dos conflitos, ao estabelecer, em seu Capítulo V, a forma de realização de audiências de conciliação, bem como os requisitos e procedimentos necessários para registrar o acordo pactuado entre as partes.

Assim, na sentença de homologação deverão constar, obrigatoriamente, todas as condições de pagamento, valor da dívida, número e valor das parcelas, possíveis descontos na multa e nos juros e duração total do plano de pagamento. Na sentença também deverá constar referência à suspensão ou à extinção das ações judiciais em curso, a data a partir da qual será providenciada a exclusão do nome do consumidor dos cadastros de proteção ao crédito e, ainda, o condicionamento de seus efeitos à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento. 

Importante mencionar que essa decisão judicial terá eficácia de título executivo e força de coisa julgada, impondo, portanto, dever e obrigações para os aderentes à proposta de plano de pagamento, o qual deverá ter o prazo máximo de 05 (cinco) anos. Ainda, a lei determina que os credores ou seus representantes compareçam à audiência com poderes de decisão, sob pena de acarretar a suspensão da exigibilidade do débito e a interrupção dos encargos da mora, bem como sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida se o montante devido ao credor ausente for certo e conhecido pelo consumidor.

Ainda, impõe-se penalidade ao credor que não comparecer com poder de decisão ao ato, seu pagamento ocorrerá somente depois do pagamento dos credores presentes à audiência conciliatória com tais poderes. 

Trata-se de uma transformação profunda nas práticas adotadas para condução e estratégia a ser efetivada em audiências de conciliação, já que o ato deixa de trazer contornos de mero formalismo.

Outro ponto relevante a ser observado é que, em não sendo frutífera a conciliação o juiz pode, a pedido do consumidor, instaurar processo por superendividamento com o objetivo de revisar e reunir todos os contratos e repactuações de dívidas remanescentes, com um plano judicial compulsório. Com a ferramenta se espera dar maior poder de condução ao juiz na solução dos problemas relatados pelo consumidor, com o adequado tratamento na sua condição financeira, e evitar, assim, sua “exclusão social”. 

Resta bem esclarecido que a proposta, com o advento da Lei nº 14.181/2021, é condicionar os credores e devedores a maior adesão aos métodos de resolução consensual dos conflitos, na audiência conciliatória, a requerimento do consumidor, estabelecendo um plano em que seja factível a ele quitar suas dívidas inadimplidas, dentro de uma política nacional de prevenção e tratamento ao superendividamento dos cidadãos brasileiros.

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Claudia Regina Furtado